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Com outra ambição, a Amadora pode ser diferente. Pode ser um local aprazível e seguro para viver, mas também um município dinâmico e inovador, capaz de atrair investimento e gerar empregos qualificados. Mãos à obra, porque a Amadora merece uma nova esperança, um novo rumo, um futuro melhor!



quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O Divórcio


Regressei há dias a Amarante, terra natal de Agustina, Amadeo de Souza-Cardoso, Teixeira de Pascoaes e tantos outros vultos da nossa cultura. Voltei a percorrer o empedrado das ruas do centro histórico, voltei a surpreender-me com a beleza do Tâmega, com a força do convento e da ponte de São Gonçalo, com a dignidade das gentes, com o carácter de uma velha urbe onde apetece ficar.

Nas ruas da cidade encontrei o bulício habitual. Gente que sai das igrejas, gente que entra nas lojas, crianças que correm pela ponte, mulheres calcorreando velozmente as calçadas, homens que conversam nas esplanadas, namorados que se abraçam nos jardins e, lá em baixo, a água do rio que corre imperturbável rumo ao Douro. A vida não pára em Amarante.

Tenho por aquela cidade uma admiração especial. Uma admiração reforçada no dia em que o povo decidiu infligir uma humilhante derrota autárquica ao inenarrável Senhor Avelino. Uma vergastada democrática aplicada no mesmo dia em que as elites de Oeiras reelegiam Isaltino e em que o operariado de Felgueiras se ajoelhava perante a sua Fátima. Naquele dia, foi de Amarante que veio um sinal de esperança. É verdade que respirei fundo, mas eu sempre soube que a dignidade daquela gente jamais seria trocada por uma voltinha de helicóptero ou por uma jantarada ordinária.

Quando visito uma cidade, gosto de me misturar com a sua gente. Sento-me numa esplanada, peço um chá e uma torrada e deixo-me ficar a escutar as conversas. Em Amarante fala-se do Futebol Clube do Porto mas também se discute a carreira do Amarante Futebol Clube, que lidera o campeonato nacional da 3ª divisão. Discute-se apaixonadamente o projecto de construção da barragem de Fridão e o aumento da cota da barragem do Torrão, obras que, a serem concretizadas, destruiriam grande parte da beleza do vale do Tâmega. Pelas mesas circulam o Jornal de Notícias e a Bola, mas as horas também são passadas a folhear o Jornal de Amarante e o Tribuna de Amarante. Comentam-se as notícias da cidade, lê-se que em breve serão concluídas as obras de reabilitação dos antigos paços do concelho de Santa Cruz de Ribatâmega. “Finalmente!” exclama alguém com ar indignado.

É assim a vida em Amarante, é assim a vida em qualquer cidade em que as pessoas tenham orgulho em viver.

De regresso à Amadora pensei no quão longe estamos daquela realidade. Falta-nos o Marão, falta-nos o Tâmega, mas falta-nos, infelizmente, mais do que isso.

Se conseguir encontrar uma esplanada frequentável, o que só por si não será tarefa fácil, ouvirei discutir o Benfica e o Sporting, mas dificilmente alguém se debruçará sobre o último jogo do Estrela da Amadora, clube que apesar de tudo está entre os maiores do nosso futebol. Ao meu lado, estará alguém a folhear apressadamente o Metro, o Destak ou o Dica da Semana, mas ninguém folheará o Grande Amadora, que já acabou, o Notícias da Amadora, cuja versão impressa já não se publica ou Jornal da Amadora, que embora exista ninguém lê.

Há na Amadora um profundo défice de amor pela cidade. Quantos de nós já visitaram os aquedutos e as mães de água que se espalham pelo concelho? Quantos de nós já tiveram oportunidade de conhecer a Necrópole de Carenque? Quantos de nós já se aventuraram num passeio pela lindíssima Mata da Fonte Santa? Quantos de nós tentaram visitar um moinho de vento, ex-libris deste concelho? Quantos de nós passearam recentemente pelo Jardim das Águas Livres? Quantos de nós se sentaram na esplanada do Parque Central, lendo um belo livro e observando os patos que passeiam as suas crias?

Imagino que poucos Amadorenses o tenham feito. Mas quem tentar fazê-lo vai, invariavelmente, bater com o nariz na porta. É que o aqueduto está fechado, a Necrópole de Carenque está vedada, a Mata da Fonte Santa está abandonada, os moinhos de vento estão em ruína, o Jardim das Águas Livres é uma fortaleza impenetrável e a esplanada do Parque Central, propriedade da autarquia, foi fechada há vários anos. São portanto as instituições e, muito em particular, a Câmara Municipal da Amadora quem promove o DIVÓRCIO entre os cidadãos e a cidade.

A nossa história, o nosso património, as nossas tradições – traços de que se faz a identidade de um povo – são considerados coisa menor. Detalhes irrelevantes, que sucumbem perante a urgência da grande empreitada.

Quanto à imprensa local, o raciocínio rudimentar de muitos dos nossos autarcas leva-os a considerá-la dispensável, a menos que colabore mansamente com o poder. Por outras palavras, jornal que se deixe meter no bolso é para apoiar, jornal que ouse afirmar a sua autonomia face ao poder político é para fechar. É o mesmo Portugal pequenino e bolorento que se revela em episódios como o saneamento político do professor Charrua ou a visita policial à delegação sindical da Covilhã. É um Portugal que mete dó.

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João Castanheira
Artigo publicado no Notícias da Amadora
25-10-2007